Os Oito Traidores

Os Oito Traidores (em inglês: traitorous eight) são oito homens que deixaram o Shockley Semiconductor Laboratory em 1957. William Shockley recrutou em 1956 um grupo de jovens com um título de doutorado (Ph.D.) com o propósito de desenvolver e produzir novos produtos com dispositivos semicondutorer. Shockley tinha recebido o Nobel de Física de 1956 e era um pesquisador e professor de experiência, mas sua condução do grupo criou desagradáveis condições de trabalho.[nota 1] Shockley escolheu uma estratégia para o projeto de circuitos que falhou, e criou uma atmosfera de trabalho intolerável.[nota 2] O grupo de doutorados contratados exigiu a substituição de Shockley. Quando seu pedido foi rejeitado, eles perceberam que tinham de sair.

Shockley descreveu sua saída como uma "traição". Os oito que deixaram a Shockley Semiconductor foram Julius Blank, Victor Grinich, Jean Hoerni, Eugene Kleiner, Jay Last, Gordon Moore, Robert Noyce e Sheldon Roberts. Em agosto de 1957 chegaram a um acordo com Sherman Fairchild e em 18 de setembro de 1957 formaram a Fairchild Semiconductor. A recém-fundada Fairchild Semiconductor logo se tornou um líder da indústria de semicondutores. Em 1960 tornou-se uma incubadora do Vale do Silício, e esteve direta ou indiretamente envolvida na criação de dezenas de empresas como a AMD e Intel Corporation.[1] Estas muitas empresas que vieram a ser um subproduto (spin-off) ficaram conhecidas como "Fairchildren".

Início

Shockley em 1975

No inverno de 1954–1955 William Shockley, um dos inventores do transistor e professor visitante na Universidade Stanford, decidiu estabelecer sua própria produção em massa de transistores avançados e diodos Shockley.[2] Encontrou um patrocinador na Raytheon, mas a Raytheon descontinuou o projeto após um mês.[3] Em agosto de 1955 Shockley se dirigiu para o financista Arnold Orville Beckman, proprietário da Beckman Instruments.[2][4] Shockley necessitava de um milhão de dólares.[3] Beckman sabia que Shockley não tinha tino nos negócios, mas acreditava que as novas invenções de Shockley seriam benéficas para sua companhia e não queria que elas ficassem com seus competidores.[5] Assim, Beckman concordou em criar e fundar um laboratório sob a condição de que suas descobertas deveriam ser levadas à produção em massa dentro de dois anos.[6]

O novo departamento da Beckman Instruments recebeu o nome de Shockley Semi-Conductor Laboratories (o hífen era convencional naquela época).[7] Durante 1955 Beckman e Shockley assinaram o acordo,[8] as patentes necessárias foram compradas por US$ 25.000,[9] e escolheram o local em Mountain View, próximo a Palo Alto.[6] O local não se revelou muito adequado: os colegas de Shockley no Bell Labs e Radio Corporation of America (RCA) recusaram ir morar em uma localidade rural sem serviço de telefone a longa distância.[10] A vasta maioria das companhias e profissionais relacionadas a semicondutores estavam localizadas na Costa Leste dos Estados Unidos, e assim Shockley postou anúncios no The New York Times e no New York Herald Tribune.[11] Os primeiros a responder incluíram Sheldon Roberts da Dow Chemical, Robert Noyce da Philco e Jay Last, um ex-estagiário da Beckman Instruments.[12][13] A campanha nos jornais resultou em cerca de trezentas respostas, e quinze pessoas, incluindo Gordon Moore e David Allison,[14] o próprio Shockley recrutou em uma reunião da American Physical Society.[15][16]

A seleção continuou durante 1956. Shockley foi um proponente das tecnologias sociais (que o levou depois à eugenia) e questionava cada candidato a passar por um teste psicológico,[17] seguido de uma entrevista.[4]

Blank, Last, Moore, Noyce e Roberts começaram a trabalhar em abril-maio, e Kleiner, Grinich e Hoerni chegaram durante o verão.[15] Em setembro de 1956 o laboratório tinha 32 empregados, incluindo Shockley.[18] Cada candidato de sucesso tinha de negociar seu salário diretamente com Shockley. Kleiner, Noyce e Roberts se acertaram por US$ 1.000 por mês; o menos experiente Last obteve US$ 675. Hoerni não se preocupou com o seu pagamento.[18] Shockley fixou seu próprio salário em US$ 2.500 e deixou acessíveis para todos os funcionários o salário de seus companheiros.[15] Duas das escolhas de Shockley revelaram-se mais tarde erradas: William Happ foi provado ser insuficientemente competente para o trabalho,[19] e o tecnologista Dean Knapic esqueceu seus documentos de grau universitário e certificado de serviço militar. Mais tarde ele entregou tecnologias de Shockley para seus competidores.[20][21]

Os Oito Traidores em 1956: educação e experiência profissional
Nome e ano de nascimento Grau e educação Experiência profissional
Julius Blank
1925
Mechanical engineer. BA pela Universidade da Cidade de Nova Iorque (Nova Iorque, 1950).[22] Engineer at Babcock & Wilcox (1950–1952).[23] Designer at Western Electric, Kearny, New Jersey (1952–1956).[22]
Victor Grinich
1924
Electronics engineer. PhD pela Universidade Stanford (1953).[24] Engineer at SRI International (1953–1956 ), design of computer and TV circuits.[24]
Jean Hoerni
1924
Physicist. PhD pela University of Geneva (1950) and Cambridge University (1952).[25] Researcher in crystallography and solid state physics at the Faculty of Chemistry at Caltech (1952–1956)[25] with publications in Nature[26] and Physical Review[27]
Eugene Kleiner
1923
Mechanical engineer. MA from the New York University (1950).[28] Designed naval artillery and industrial machinery. Together with Blank worked at Western Electric, where he was also teaching evening courses.[23][28]
Jay Last
1929
Physicist. PhD pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) (1956)[23] No practical experience
Gordon Moore
1929
Physical chemist. PhD pelo California Institute of Technology (1954). Studied gas spectra of ballistic rockets at Johns Hopkins University.[23]
Robert Noyce
1927
Physicist. PhD pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) (1953). Researcher at Philco 1953–1956, working on germanium transistors.[20]
Sheldon Roberts
1926
Metallurgist. PhD pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) (1952).[23] Between 1952 and 1956 worked at the Naval Research Laboratory and Dow Chemical.

Ver também

Notas

  1. Berlin, pp. 86–87; Coller, p. 174; Elkus, 2008, p. 91: "Shockley's paranoid, micromanaging personality ... kept his company from producing any viable commercial product"; Lojek, 2007, p. 77; Plotz, 2010, p. 90: "A disastrously bad businessman and a worse manager"; Thackray, 2000, p. 246; Shurkin, pp. 173–174: "In truth, he had no idea how to manage ... One physicist swore that Shockley could actually see electrons [but] He had trouble seeing people".
    Shockley's managing abilities were even mentioned in his Stanford University obituary: Linvill, J.; et al. (1989). «Memorial Resolution: William Shockley (1910–1989)» (PDF). Universidade Stanford. Consultado em 8 de março de 2016. Arquivado do original (PDF) em 6 de junho de 2012. In retrospect, it is clear that the kind of intellectual leadership Bill Shockley so brilliantly exercised at the Bell Laboratories did not directly translate into business management success 
  2. Shurkin, 2008, pp. 231–235; Berlin 2005, p. 87; Coller, 2009, p. 174; Elkus, 2008, p. 91; Manners, 1995, p. 36; Plotz 2005, p. 90; Robinson 2010; Thackray, 2000, p. 245; etc.

Referências

  1. «Fairchild's Offspring» (PDF). BusinessWeek. 25 de dezembro de 1997. Consultado em 28 de fevereiro de 2012 
  2. a b Lojek 2007, p. 67.
  3. a b Lojek 2007, p. 69.
  4. a b Shurkin 2008, pp. 164–165.
  5. Lojek 2007, pp. 68, 86: Por exemplo, o transistor com efeito de campo com uma junção p-n proposta por Shockley idealmente adequado para moduladores DC foi produzido pela Beckman Instruments..
  6. a b Lojek 2007, p. 68.
  7. Lojek 2007, pp. 68, 73.
  8. Shurkin 2008, p. 168.
  9. Lojek 2007, pp. 81–82: Shockley tinha acesso a todos os desenvolvimentos do Bell Labs; ele obteve licenças sobre as mais recentes tecnologias envolvendo litografia fotorresistiva e passivação de óxido de silício..
  10. Lojek 2007, pp. 69–70: uma linha de longa distância foi instalada em Palo Alto em 1957.
  11. Lojek 2007, pp. 70–71.
  12. Brock 2010, p. 141: Jay Last recusou uma oferta da Beckman Instruments em favor do Shockley Labs..
  13. Lojek 2007, pp. 71–73.
  14. Lécuyer 2000, p. 241: Allison trocou a Shockley pela Fairchild após o episódio dos oito traidores, e fundou mais tarde a Signetics.
  15. a b c Lojek 2007, p. 74.
  16. Shurkin 2008, p. 169. De acordo com outra versão, Moore enviou sua inscrição ao Laboratório Nacional de Lawrence Livermore, e Shockley, usando sua senha de acesso pessoal, levou-o de lá. Walker, R. (5 de março de 1995). «Interview with Gordon Moore. March 3, 1995, Los Altos Hills, California». Silicon Genesis: An Oral History of Semiconductor Technology. Universidade Stanford .
  17. Shurkin 2008, p. 170: Os consultores julgaram Shockley, Noyce e Moore "muito brilhantes, mas jamais seriam bons gestores".
  18. a b Lojek 2007, p. 75.
  19. Lojek 2007, p. 89.
  20. a b Lojek 2007, p. 91.
  21. Brock 2010, pp. 45, 69.
  22. a b Vitello, P. (23 de setembro de 2011). «Julius Blank, Who Built First Chip Maker, Dies at 86». The New York Times. p. A33 
  23. a b c d e Lécuyer 2000, p. 160.
  24. a b Brock 2010, p. 84.
  25. a b «Jean A. Hoerni, 1972 W. Wallace McDowell Award Recipient». IEEE Computer Society. 1972. Consultado em 28 de fevereiro de 2012. Arquivado do original em 6 de junho de 2012 
  26. Hoerni, Jean. (1949). «Diffraction of Electrons in Graphite». Nature. 164 (4181): 1045–1046. doi:10.1038/1641045a0 
  27. Hoerni, Jean A.; Ibers, James A. (1953). «Complex Amplitudes for Electron Scattering by Atoms». Physical Review. 91 (5): 1182–1185. doi:10.1103/PhysRev.91.1182  !CS1 manut: Nomes múltiplos: lista de autores (link)
  28. a b Brock 2010, p. 45.

Erro de citação: Elemento <ref> com nome "G1" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "G2" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r3" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r4" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r5" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r6" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r7" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r8" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r9" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r10" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r11" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "r12" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "MW01" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "SL" definido em <references> não é utilizado no texto da página.
Erro de citação: Elemento <ref> com nome "SR" definido em <references> não é utilizado no texto da página.

Erro de citação: Elemento <ref> com nome "SFG" definido em <references> não é utilizado no texto da página.

Bibliography

  • Berlin, L (2005). The Man Behind the Microchip: Robert Noyce and the Invention of Silicon Valley. New York: Oxford University Press. pp. 85–89. ISBN 9780199839773 
  • Brock, D (2010). Lécuyer, C., ed. Makers of the Microchip: A Documentary History of Fairchild Semiconductor. [S.l.]: MIT Press. ISBN 9780262014243 
  • Castilla, E (2000). «Social Networks in Silicon Valley». In: Chong-Moon Lee. The Silicon Valley edge: a habitat for innovation and entrepreneurship. Col: Stanford Business Books. [S.l.]: Stanford University Press. ISBN 9780804740630 
  • Coller, J; Chamberlain, C. (2009). The lives, loves and deaths of splendidly unreasonable inventors. Col: Infinite Ideas Series. Oxford, UK: Infinite Ideas. pp. 173–177. ISBN 9781906821258  A referência emprega parâmetros obsoletos |coautor= (ajuda)
  • Elkus, R. J. (2008). Winner take all: how competitiveness shapes the fate of nations. New York: Basic Books. pp. 91–92. ISBN 9780465003150 
  • Holbrook, D (2003). «The Nature, Sources and Consequences of Firm Differences in the Early History of Semiconductor Industry». The SMS Blackwell Handbook of Organizational Capabilities: Emergence, Development, and Change. Col: Strategic Management Society Book Series. [S.l.]: John Wiley & Sons. pp. 43–75. ISBN 9781405103046 
  • Lécuyer, C (2006). Making Silicon Valley: innovation and the growth of high tech, 1930–1970. [S.l.]: MIT Press. ISBN 9780262122818 
  • Lojek, B (2007). History of semiconductor engineering. [S.l.]: Springer. pp. 178–187. ISBN 9783540342571 
  • Manners, D; Makimoto, T. (1995). Living with the chip. [S.l.]: Springer. ISBN 9780412616907  A referência emprega parâmetros obsoletos |coautor= (ajuda)
  • Plotz, D (2005). The genius factory: the curious history of the Nobel Prize sperm bank. Oxford, UK: Random House. p. 90. ISBN 9781400061242 
  • Robinson, A (2010). Sudden Genius?. Oxford, UK: Oxford University Press. ISBN 9780191624926 
  • Shurkin, J (2008). Broken Genius: The Rise and Fall of William Shockley, Creator of the Electronic Age. Col: International series on advances in solid state electronics and technology. [S.l.]: Palgrave Macmillan. ISBN 9780230551923 
  • Thackray, A; Myers, M (2000). Arnold O. Beckman: one hundred years of excellence. Col: Chemical Heritage Foundation series in innovation and entrepreneurship. 3. [S.l.]: Chemical Heritage Foundation. pp. 238–250. ISBN 9780941901239 

-->

Ligações externas

  • 1999 Computerworld interview with Eugene Kleiner, Julius Blank and Jay Last
  • Transistorized! (PBS)